O pró-reitor de graduação convocou a comunidade universitária para contribuir no processo de “atualização” da Res. CEPE 37/97, cuja data de publicação por si mesma recomenda o objetivo da convocação. Todavia, o que de fato precisamos pode ser mesmo reduzido à tarefa de “atualizar” uma resolução quase trintenária?
Normalmente, as resoluções precisam ser revisadas de tempos em tempos e, eventualmente, “atualizadas”. Mas a revisão não se limita ao que será atualizado. A respeito do nosso ensino de graduação, há muito o que revisar e talvez encaminhar atualizações em outras normas institucionais. No caso da 37/97, uma parte considerável dos seus artigos ainda em vigor está prevista no Regimento Geral da UFPR e, dessa forma, não poderia ser “atualizada” sem os devidos ajustes naquele regimento.
O fato é que fomos convocados para uma atualização e não para uma revisão. As perguntas já são dirigidas aos capítulos da 37/97, sem oportunidade de uma discussão mais abrangente sobre o conjunto no qual estão inseridas. Eis a diferença entre atualização e revisão: uma revisão sugere um olhar sobre o conjunto, entendido como o projeto pedagógico da nossa Universidade para o ensino de graduação como um todo. Como atualizar os modos de ingresso na UFPR sem considerar o fato de que vivemos uma crise profunda de procura dos nossos cursos por novos estudantes e isso tem levado alguns cursos à virtual extinção por excesso de vagas ociosas?
Não há atualização possível da 37/97 que, sozinha, reverta esse quadro. Sem uma profunda revisão do ensino de graduação na UFPR, continuaremos sem poder sopesar os inúmeros fatores que contribuem para problemas complexos como este. Divergiremos exaustivamente sobre qual porcentagem das vagas para ingresso deve ser destinada ao nosso vestibular e ao SISU, mas continuaremos vivendo como se o crescimento exponencial de vagas ociosas simplesmente não existisse ou não fosse um problema da nossa instituição como um todo.
Além disso há problemas operacionais graves na consulta que se pretende realizar: qual peso atribuir a cada segmento participante, como dirimir eventuais conflitos entre membros de um mesmo segmento etc. etc. Mas, novamente, os problemas de concepção são mais relevantes.
O documento em questão é uma resolução do CEPE, ao qual cabe não apenas votar ou homologar propostas de resolução, mas também realizar estudos e constituir comissões para propor resoluções. Num passado recente, o CEPE atuou regularmente dessa última forma, constituindo comissões para revisão ou proposição de resoluções, distribuindo a minuta resultante para ampla discussão da comunidade universitária e, finalmente, deliberando sobre cada um dos seus artigos em sessão plenária. Há cerca de oito anos isso não ocorre com a regularidade de outrora. A atribuição de propor e revisar normas institucionais foi pouco a pouco sendo transferida às pró-reitorias afeitas, que constituíam comissões para essa finalidade contando apenas com a participação exclusiva de seus próprios quadros funcionais, à exclusão dos membros dos conselhos superiores.
Todavia, o pró-reitor de graduação resolveu inovar: em lugar de reunir os quadros técnicos da PROGRAD e fazer uma proposta de revisão da 37/97, transferiu essa atribuição a cada um dos membros da comunidade universitária, sem distinção e sem qualificação prévia. Na teoria política contemporânea, essa modalidade de exercício do poder político é conhecida como populismo, quando o mandatário decide governar diretamente com o povo (tomado como uma totalidade indistinta, sem divisões de classes, ideológicas ou regionais) e suprime as instâncias de representação institucionalizadas, tais como parlamentos ou entidades da sociedade civil (sindicatos, partidos etc.). O processo de “atualização” da Res. CEPE 37/97 preconiza uma versão universitária do populismo político: ignorar as atribuições normativas do CEPE transferindo-as ao presumido conjunto da comunidade universitária, tomada como uma totalidade indivisa, internamente indistinta e com interesses homólogos.
Não há como não enxergar nisso mais um episódio do “esvaziamento” do CEPE de que muitos reclamam. Sou daqueles que acreditam que o CEPE não é uma mera formalidade, redutível a expedientes meramente homologatórios e cartoriais. Sem um CEPE atuante e crítico, não há gestão democrática que mereça esse nome. Neste caso, como em muitos outros, há um antídoto eficaz para impedir que populismos de ocasião se convertam em mais um fator de esvaziamento do CEPE: a existência de câmaras especializadas às quais as pró-reitorias deveriam antes submeter suas iniciativas normativas, para que não estejam apenas à mercê do poder discricionário do seu titular. Uma câmara de graduação, constituída majoritariamente por representantes das coordenações de curso, poderia, por exemplo, decidir por ouvir a comunidade universitária antes de deliberar sobre a metodologia a ser adotada na revisão da 37/97. Perde-se, assim, mais uma oportunidade de exercer a gestão democrática na UFPR. Até quando continuaremos mitigando a democracia e experimentando os seus falsos substitutos?
A propósito, o CEPE instituiu, em 2018, uma comissão para propor revisões à 37/97 e essa comissão funcionou até o início da pandemia de COVID-19. A comissão era constituída de representantes do Fórum de Coordenadores de Curso de Graduação e técnico-administrativos da PROGRAD. Com o processo de “atualização” em curso, entende-se que a referida comissão foi definitivamente extinta, por deliberação unilateral da PROGRAD.
Eduardo Barra
Departamento de Filosofa/UFPR