Recursos não foram utilizados após empenho, o que fez com que eles fossem bloqueados e depois cancelados.
Enquanto pró-Reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças, o candidato a reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fernando Mezzadri, empenhou em média 99% das despesas do orçamento discricionário da instituição. Apesar disso, parte desses recursos não chegaram a ser gastos em melhorias e na manutenção da universidade, fazendo com que eles retornassem ao governo federal. Os dados são do relatório de execução orçamentária da PROPLAN e foram motivo de embate nas redes sociais entres as chapas 3 e 2, concorrentes no segundo turno da eleição da UFPR.
A execução do orçamento de uma universidade pública federal segue um processo bem definido e rigoroso, estabelecido pela Lei nº 4.320/1964, que regulamenta a contabilidade pública no Brasil. Esse processo ocorre em três etapas principais: empenho, liquidação e pagamento.
Primeiro, se realiza o empenho de uma despesa, no qual a universidade reserva os recursos necessários para cobrir futuros gastos, como a compra de materiais ou a contratação de serviços. Essa etapa garante que os valores estejam disponíveis, mas não significa que o dinheiro foi efetivamente utilizado para o fim que ele está sendo proposto. Aqui, vale ressaltar a definição atribuída por essa matéria jornalística ao termo “utilizar”, que de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa significa, dentre outras sete definições: “tornar (algo) útil, proveitoso; aproveitar”.
Em seguida, ocorre a liquidação, que é a verificação de que o serviço foi prestado ou que o bem foi entregue conforme o contratado. Somente após essa confirmação é que a despesa pode ser considerada pronta para ser paga. É quando efetivamente ocorre o pagamento, ou seja, o valor é transferido ao fornecedor ou prestador de serviço, que a “execução orçamentária” está completa. Esse é outro termo que merece explicação: “executar”, nesse caso, segue a linha do que está previsto na Lei nº 4.320/1964, visto que a legislação estabelece essas três fases para que seja concretizada a tal: “execução orçamentária”. Na UFPR, como em outras instituições públicas, esse ciclo garante que o dinheiro público seja gasto de maneira controlada, evitando desperdícios e assegurando que os serviços e bens contratados sejam devidamente entregues antes do pagamento.
Nessa perspectiva, se o sentido atribuído à palavra “utilizar” for o mesmo do que o exposto nesta matéria jornalística. O orçamento só é utilizado quando ele é executado de maneira prática, visto que para ele ser “útil” e “aproveitado”, ele precisa atender o seu fim: servir para a manutenção e aprimoração da universidade; o que só é alcançado através de sua execução.
Utilizar e não só empenhar
Em uma postagem de 4 de julho deste ano, feita em sua conta pessoal do instagram, Fernando Mezzadri afirma ter “utilizado” 99% do orçamento discricionário – aquele sobre o qual a universidade tem autonomia para decidir como gastar – enquanto esteve à frente da Pró-reitoria de Planejamento, Orçamento e Finanças da UFPR (PROPLAN). No entanto, esses números só se sustentam considerados recursos empenhados, independente se atingiram ou não a segunda etapa da execução: a liquidação.
De acordo com dados da própria PROPLAN (disponíveis aqui) a UFPR executou apenas 87% de seu orçamento discricionário no período destacado por Mezzadri, tendo R$81.128.046,14 (ver tabela abaixo) de seus recursos cancelados pelo governo federal entre 2017 e 2023. O valor em questão diz respeito a Restos a Pagar (RAPs) que não chegaram a ser aproveitados. Essas são despesas que a universidade empenhou, mas que não passaram pela fase de liquidação. Ou seja, o serviço ou bem não foi entregue, e por isso o pagamento não foi realizado. Isso faz com que esses recursos, mesmo já empenhados, sejam bloqueados e posteriormente cancelados pelo governo federal.
É comum que recursos empenhados não sejam liquidados até o término de um determinado exercício financeiro. Na verdade, a função dos RAPs é resguardar esses recursos para que eles possam ser utilizados no ano seguinte. O que acontece, no entanto, é que se a despesa não for liquidada até 30 de junho do ano subsequente ao da inscrição, o recurso geralmente é perdido, salvo alguns muito raros casos onde é válido o reempenho.
As razões para que isso aconteça são diversas, e é fato que o pró-reitor de planejamento não pode ser responsabilizado por 100% desses fatores, visto que alguns fogem do controle dele. Contudo, quando esse volume é significativo, e 81 milhões de reais é uma quantidade grande de recursos não executados, isso pode caracterizar mau planejamento. Somando apenas os RAPs que deveriam ser executados em obras, por exemplo, são R$18.387.774,43 de recursos bloqueados.
Além disso, o percentual de recurso empenhado não é uma métrica justa de sucesso da execução financeira. Não só porque parte desse valor não é convertido em melhorias para a universidade, mas também porque a eficácia não deve ser medida por “gastar tudo”, e sim por gastar no que a universidade precisa, dentro de uma priorização. Em uma reportagem publicada no dia 6 de setembro (ver aqui), a Chapa Movimento UFPR apontou para o fato de que a administração da universidade cumpriu menos de 10% das metas do PDI vigente, o que indica também que essa priorização não tem acontecido.
Pedido de resposta
No dia 5 de setembro, a Chapa Movimento UFPR publicou um vídeo em sua página do Instagram denunciando a postagem feita por Mezzadri, na qual ele afirma ter “utilizado” 99% do orçamento discricionário durante a sua gestão da PROPLAN. A publicação chamava atenção para o fato de que ao afirmar que quase todo o orçamento da universidade havia sido “utilizado”, o candidato a reitor estaria “mentindo”, ou seja, manipulando informações a seu favor, visto que dado diz respeito aos recursos empenhados e não executados.
A resposta da Chapa 2 (Avança UFPR), encabeçada por Mezzadri, saiu quase que imediatamente. Em um vídeo, publicado pela chapa ainda no mesmo dia, o candidato aparece afirmando que as informações veiculadas por seus concorrentes eram inverídicas. No entanto, ao contar seu lado da história, ele usa outro termo, que não aquele questionado pela Chapa 3 em sua denúncia (“utilizar”), “Nós empenhamos 99% do nosso orçamento”, diz Mezzadri no vídeo (disponível aqui).
Após veicular uma defesa à acusação em suas redes sociais, a Chapa 2 ainda entrou com um pedido de direito de resposta à Comissão Paritária de Consulta (CPC), órgão responsável pela organização das eleições internas da UFPR. O direito de resposta, previsto no regimento interno da CPC, permite que alguém se defenda publicamente contra informações que considere falsas ou ofensivas, garantindo uma retratação no mesmo espaço onde a acusação foi divulgada. Nesse caso, a Chapa 3 deveria veicular a defesa de seu concorrente, o que aconteceu, visto que o pedido foi deferido.
A decisão da CPC de aceitar o pedido de resposta foi baseada em um parecer jurídico encomendado pela própria comissão. O documento argumenta que as informações divulgadas pela Chapa 3 eram potencialmente ofensivas e distorciam fatos, o que em tese comprometeria a igualdade de condições no processo eleitoral. A Chapa Movimento UFPR ainda tentou reverter a decisão, entrando com um recurso na CPC, que reafirmou sua posição diante dos fatos. Segundo esse outro documento, afirmar que Mezzadri “mentiu” sobre a execução orçamentária de sua gestão não é uma informação equivocada, visto que o candidato equiparou os termos “empenhar” e “utilizar”, na tentativa de distorcer a realidade.
Mesmo assim, a comissão manteve sua decisão e a retratação de Mezzadri foi publicada na página do Instagram da Chapa 3. Exercendo seu direito de resposta, o candidato voltou a usar o termo “utilização” do orçamento, e não “empenho”, como feito em sua primeira retratação. No texto, copiado daquele primeiro post de 4 julho deste ano, ele escreve: “Utilização do Orçamento Discricionário: 2016 = 90,02%; 2017 = 98,85% (gestão atual); 2018 = 99,38%; 2019 = 99,72%; 2020 = 99,33%; 2021=99,98%; 2023 = 99,92%”.