Na recente sessão do Conselho Universitário (COUN) da UFPR, realizada em 10 de maio, expos alguns dos fatores que ameaçam seriamente o princípio constitucional da gestão democrática na nossa universidade. Antes mesmo do seu início, o caráter democrático da sessão já estava comprometido pelo fato de o presidente do conselho a haver convocado em caráter não-deliberatitvo, agindo de modo autocrático em contradição com o regimento do conselho, que o define como órgão normativo, deliberativo e consultivo, sem permitir que qualquer uma dessas propriedades possa ser suprimida pelo poder discricionário do seu presidente.
Desobediência e responsabilidade criminal
Logo no início da sessão, o conselheiro Valter Maia interpôs uma questão de ordem que reivindicava justamente a restituição do caráter deliberativo daquela sessão, conforme o regimento do conselho. Após várias intervenções a respeito da admissibilidade e mérito da questão de ordem, o conselheiro Sérgio Staut tomou a palavra e sustentou a posição defendida pela presidência do conselho, qual seja, não afrontar o parecer do Ministério Público, que impedia a universidade de deliberar sobre a suspensão do calendário acadêmico, conforme reivindicação dos comandos de greve de técnicos, docentes e estudantes. Em seguida, o então diretor do Setor de Ciências Jurídicas acrescentou o seguinte argumento à sua defesa da posição da reitoria da UFPR: a questão de ordem levantada pelo representante dos servidores técnico-administrativos não deveria sequer ser “analisada, tamanha a irresponsabilidade dela, que implica responsabilidade criminal”, mas se ainda o for, “é importante que essa votação seja nominal para evitar a responsabilização daqueles que entendem a gravidade, a seriedade, inclusive criminal dessa matéria da forma como estão aqui colocando.”
Desobediência e autonomia
Essa intervenção foi, a seguir, contestada pelo advogado João Arzeno, falando na condição de autor de um parecer sobre a recomendação do Ministério Público atendendo a pedido da APUFPR: “Prof. Sérgio, com todo o respeito, eu acho que a hipótese de cometer ilegalidade, crime, falta disciplinar é para todos nós, brasileiros e brasileiras, inclusive para o Ministério Público. (…) Nós não podemos nos curvar a isso. Prof. Sérgio Staut, o conselho é um colegiado; as pessoas que participam deste conselho, participam de um colegiado. Portanto, não podemos segmentar um conselho em vários conselheiros. Aí, sim, acho que perde completamente a natureza de um conselho.”
O Individualismo Antidemocrático
A discussão revelou duas concepções distintas do conselho universitário: uma que o enxerga como uma simples reunião de indivíduos e outra que o encara como uma totalidade irredutível aos indivíduos que a compõem. Para a primeira, os conselheiros são entidades individualizáveis inclusive para fins de responsabilização criminal; para a segundo, os conselheiros constituem uma coletividade cujos atos não são atomizáveis porquanto materializam e manifestam a instituição que conjuntamente representam.
Impossível não identificar na primeira posição uma reverberação tardia da divisa do governo de Margaret Tatcher: não existe sociedade, existem indivíduos. Não surpreende que os que adotam a primeira posição tenham especial predileção pelas votações nominais, que, conforme argumentou o conselheiro que contestou a questão de ordem, permite “evitar a responsabilização daqueles que entendem a gravidade, a seriedade, inclusive criminal dessa matéria da forma como estão aqui colocando”.
Sem gestão democrática, para quê autonomia?
Ora, antes de tudo, é importante lembrar que intimidar conselheiros ameaçando-os com processos administrativos e criminais não se coaduna com uma gestão democrática. Ninguém pode exercer o direito de voto sob qualquer tipo de ameaça. É por isso que as sociedades democráticas adotam o voto secreto. O instrumento correspondente nos conselhos universitários é a votação simbólica, que registra os votos contra e a favor e transfere à instituição a responsabilidade pela decisão. Não há por que presumir que Conselheiros serão inconsequentes com a instituição que ali representam. Ninguém precisa da tutela do voto nominal para ser responsável.
É urgente restituir o princípio que o advogado da APUFPR definiu de modo simples e magistral: “o conselho é um colegiado; as pessoas que participam deste conselho, participam de um colegiado”. Sem isso, não faz sentido em defender a autonomia da universidade. Porque onde não há uma instituição, onde não se reconhece uma coletividade, onde enxergamos apenas uma série aleatória de indivíduos, não há por que exigir autonomia, além daquela que se confere a qualquer indivíduo para poder torná-lo imputável pelos seus atos.
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