Reféns das Big Techs: Ameaça sob a Ciência e a Tecnologia

Por: Marcos Sunye

Já passou da hora de falarmos sobre a relação entre o poder público e as big techs. Se você se interessa pela vida na Federal e por tecnologia, siga este pensamento:

Desde que a ciência se integrou ao nosso cotidiano, ela guia muitos aspectos da nossa vida. Do exame de saúde à louça que lavamos, há ciência por trás de tudo. E a universidade é o principal centro de produção de conhecimento, pesquisa e inovação no mundo.

O Papel das Universidades e o Perigo das Big Techs

Hoje, a maioria das universidades utilizam programas da Microsoft ou Google. E qual o problema nisso? Essas empresas detêm um oligopólio tecnológico, com fácil acesso a nossos dados e conhecimento. Grandes descobertas e pesquisas realizadas em universidades estão sendo oferecidas de bandeja para essas empresas.

Por exemplo, a corrida por diagnósticos automatizados depende de bases de imagens médicas rotuladas, mas o Brasil ainda não possui uma política específica sobre isso. Os sistemas de e-mail, videoconferências e armazenamento de documentos das universidades públicas são oferecidos gratuitamente a Google e Microsoft. Essa prática gera um risco imenso: permitir que essas empresas se apropriem de nossos dados para criar produtos lucrativos.

A Espionagem das Big Techs e a Soberania do Brasil

Nos últimos anos, as grandes empresas de tecnologia, conhecidas como big techs, têm sido acusadas de coletar dados massivamente, muitas vezes sem o conhecimento ou consentimento dos usuários. Esse comportamento levanta sérias preocupações sobre privacidade e segurança, especialmente em países como o Brasil.

O Brasil, infelizmente, tem se tornado um alvo frequente de espionagem tanto de empresas quanto de governos estrangeiros. Durante o governo Bolsonaro, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) realizou a compra de tecnologias de espionagem sem a devida transparência, gastando cerca de R$34,7 milhões em contratos sigilosos. Equipamentos de vigilância, como a ferramenta Augury, permitiram o rastreamento contínuo da navegação de cidadãos, capturando dados detalhados de tráfego, incluindo credenciais de acesso a plataformas privadas​​.

Além disso, há um crescente debate sobre a necessidade de regulamentação das atividades das big techs no Brasil. O Ministro das Comunicações, Juscelino Filho, defendeu recentemente a regulamentação e taxação dessas plataformas, argumentando que elas consomem uma parte significativa do tráfego de dados do país e faturam bilhões sem pagar impostos adequados​​.

A questão da espionagem e da falta de transparência nas compras de tecnologias de vigilância no Brasil é um alerta para a necessidade de uma regulamentação mais rígida e de medidas que garantam a soberania digital do país. Implementar políticas de proteção de dados e adotar tecnologias de software livre podem ser passos cruciais para assegurar que o conhecimento e os dados produzidos no Brasil permaneçam sob controle nacional.

A Alternativa: Software Livre

A solução? O software livre. Este movimento prega a liberdade, a transparência e a replicabilidade, oferecendo uma alternativa para garantir a autonomia e a soberania dos órgãos públicos. Entre 2003 e 2008, o Brasil economizou R$ 380 milhões usando software livre, segundo o Serpro.

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), o Centro de Computação Científica e Software Livre (C3SL) possui um dos maiores espelhos de softwares livres do Brasil. Com mais de 20 anos de experiência, o C3SL oferece acesso à tecnologia de ponta, comparável aos melhores centros internacionais. O software livre pode fornecer servidores web, sistemas operacionais, editores de texto e gerenciadores de redes abertos e gratuitos.

Desafios e Necessidades

Ainda existem barreiras para a adoção do software livre, como a resistência à mudança nas práticas institucionais. É fundamental oferecer treinamentos e desestigmatizar o uso de softwares alternativos às big techs. Isso requer vontade política e valorização da universidade pública como agente transformador.

As universidades brasileiras precisam ter uma voz ativa na sociedade. Elas devem se reinventar continuamente e repassar o conhecimento acumulado para a sociedade. Quando uma universidade americana se pronuncia sobre um assunto estratégico, isso causa um impacto imediato. No Brasil, as universidades são tímidas para opinar.

Conclusão

Para garantir a soberania nacional e a segurança dos dados dos cidadãos, precisamos adotar o software livre e valorizar nossas universidades públicas. A UFPR, através do C3SL, está na vanguarda desse movimento. Com a formação adequada e a tecnologia certa, podemos garantir um futuro mais seguro e inovador para todos.

*Professor do Departamento de Informática e pesquisador do Centro de Computação Científica e Software Livre (C3SL) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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